Imagens de hospital mostram pai de Benício ajoelhado até o último momento com o filho: 'Falava com ele e rezava'
09/12/2025
(Foto: Reprodução) Imagens exclusivas revelam como foi o atendimento ao menino Benício, vítima de um erro médico
Imagens obtidas com exclusividade pelo Fantástico mostram o pai de Benício, de 6 anos, ajoelhado ao lado do filho até os últimos momentos de vida. O menino morreu após receber uma dose de adrenalina intravenosa aplicada por engano no Hospital Santa Júlia, em Manaus.
O pai do menino, Bruno Mello de Freitas, disse ter acompanhado o filho o tempo todo: "Nenhum pai, nenhuma mãe, leva seu filho para um hospital para morrer. Ainda mais da forma que o Benício morreu. Dessa sucessão de erros, dessa negligência que a gente verificou".
O garoto chegou ao hospital com tosse seca e febre, suspeita de laringite, e passou quase 14 horas sob os cuidados da equipe médica. Benício já havia sido atendido no mesmo hospital um mês antes com o mesmo quadro, sendo tratado apenas com inalação de adrenalina, procedimento considerado seguro para casos leves.
Pai de Benício ficou ao lado do filho durante seus últimos momentos.
Reprodução/TV Globo/Fantástico
Neste dia, depois de uma prescrição errada de adrenalina intravenosa, assumida pela médica Juliana Brasil Santos, administrada pela técnica de enfermagem Raíssa Bentes, o garoto apresentou palidez, dores no coração e dificuldade para respirar.
Ele foi transferido à sala vermelha, que recebe casos mais graves, e, posteriormente, para a UTI, onde permaneceu consciente, mas onde sofreu seis paradas cardíacas até não resistir. Na UTI, Benício passou um período com o pai, fez uma refeição e, horas depois, foi intubado.
Em entrevista, o pai de Benício relatou que ficou ajoelhado ao lado do filho, conversando e rezando, enquanto tentava que ele recebesse oxigenação adequada.
"Eu falava com ele internamente: 'bora, filho. Bora. Melhora essa oxigenação'. Eu rezava muito", afirma Bruno.
"É uma dor muito grande que vou levar para a minha vida toda", continua o pai. "Pelo que a gente está analisando, verificando, observando, é uma sucessão de erros."
O que aconteceu com os envolvidos
O caso gerou investigações sobre falhas na prescrição e na administração da medicação, incluindo a ausência de conferência por um farmacêutico e protocolos inadequados de checagem. A técnica de enfermagem foi afastada e responde em liberdade, e a médica obteve habeas corpus preventivo, alegando que o sistema eletrônico trocou a forma da medicação sem que ela percebesse.
O hospital afirmou que revisa protocolos internos e busca prevenir que erros semelhantes ocorram.
Um mês antes, o menino tinha sido atendido no mesmo hospital, com o mesmo quadro. A mãe diz que Benício foi tratado com adrenalina por inalação.
Segundo o pediatra Márcio Moreira, do Hospital Israelita Albert Einstein, "sendo um caso de laringite, a gente usa adrenalina inalatória regularmente. A gente faz a inalação com a adrenalina e espera uma melhora rápida, mesmo que fugaz".
A adrenalina, produzida pelo corpo e também sintetizada como medicamento, é indicada para inalação em quadros leves. A versão injetável, na veia, é usada em situações graves, como paradas cardiorrespiratórias, e administrada em doses muito pequenas, lentamente, geralmente na terapia intensiva.
"Para mim estava tudo certo que seria inalação. Então, eu não questionei ela. Eu só falei ok", lembra Joice.
A médica que atendeu Benício era Juliana Brasil Santos. A prescrição de Juliana indicava adrenalina pura, não diluída, aplicada na veia, em três doses que somavam 9 miligramas. A família seguiu com a prescrição para a ala da enfermaria.
Imagem da prescrição de adrenalina para Benício
Reprodução/Fantástico
Joice questionou ao ver o soro injetável: "Cadê a inalação para adrenalina? Sempre foi por inalação". Segundo ela, a técnica de enfermagem Raíza Bentes respondeu que também nunca fez na veia, mas que estaria indicado na prescrição médica.
Os pais afirmam que, logo após receber a adrenalina na veia, Benício ficou pálido e reclamou de dor no coração. Joice lembra: "Aí eu começo a entrar em desespero. Meu marido fala: 'corre e chama o médico'".
Raíza foi atrás da médica. "Eu informei que tinha administrado a medicação e que a criança tinha tido reação. (…) Falei que foi adrenalina. E aí ela pegou e falou ‘tá bom'", conta a técnica de enfermagem.
Em mensagens de WhatsApp para outro médico, Juliana escreveu: "Eu que errei na prescrição". Depois, em relatório ao hospital, reafirmou que "prescreveu erroneamente".
Benício foi levado às pressas para a sala vermelha, de emergências. Os pais dizem que ele estava consciente, mas tinha dificuldade para respirar.
Benício teve seis paradas cardíacas e não resistiu.
Investigação
A polícia investiga falhas na intubação e a ausência de checagem do farmacêutico da unidade.
O presidente do Conselho Regional de Farmácia do Amazonas, Reginaldo Silva Costa, afirma: “Certamente, o profissional farmacêutico teria identificado a superdose e solicitado ao profissional prescritor que pudesse rever a sua prescrição".
"Percebe-se um erro estrutural, sequencial de protocolos, de cuidados", diz o delegado Marcelo Martins. "E aí você vê que o Benício não teve chance."
Questionado se o menino foi vítima de um crime, ele responde: "Com certeza, um homicídio. A médica simplesmente emitiu uma prescrição médica e não revisou, que seria uma conduta básica de dupla checagem. A técnica de enfermagem poderia também ter realizado a dupla checagem. E teria evitado esse resultado".
A técnica de enfermagem se defende: "Eu administrei a medicação conforme a prescrição médica. Não tive auxílio, estava sozinha". Raíza Bentes trabalha como técnica há sete meses. Ela foi suspensa pelo Conselho Regional de Enfermagem e responde em liberdade.
Em nota, sua defesa afirma que só irá se manifestar após o término das investigações e que ela seguiu a prescrição conforme orientação da enfermagem do hospital.
Juliana Santos Brasil foi afastada do hospital. À Justiça, apresentou um vídeo alegando que o sistema de prescrição eletrônica teria trocado, sem que ela percebesse, adrenalina por inalação por adrenalina na veia.
O superintendente de tecnologia da informação (TI) do hospital, João Alexandre de Araújo, afirma: “Sem ação do médico, o sistema não faz nada de forma automatizada.”
Perguntado se houve erro do sistema, ele diz: "Do sistema, a gente pode garantir que não foi", diz.
A médica conseguiu um habeas corpus preventivo para não ser presa durante as investigações. Seu advogado, Felipe Braga, reafirmou que houve falha no sistema de nos procedimentos seguintes.
"Foi uma multiplicidade de fatores, desde o momento que há uma quebra da dupla ou tripla checagem, a ausência de um farmacêutico", diz o advogado. "Eu não considero que ela errou".
O diretor médico do hospital, Guilherme Macedo, afirma que "toda a gestão está envolvida em elaborar planos de ações para que o hospital evite situações semelhantes e com desfecho trágico como foi esse".
Benício era filho único e faria 7 anos no dia de Natal.
"A gente sempre vai lembrar dele. Da criança que ele era. Uma criança pura. Meiga. Não era desobediente. O ser vivo mais puro que eu já encontrei, que eu conheci na humanidade", diz o pai.
Infográfico - Caso Benício
Arte g1
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