Cerca de 15% dos moradores do Grande Rio mudaram a forma de se deslocar após a pandemia, mostra levantamento
07/12/2023
(Foto: Reprodução) Principais motivos foram o desemprego, mudança do local de destino, adoção de regime híbrido de trabalho, falta de linhas e serviço de transporte e aumento do tempo de espera. Utilização de transporte público caiu na Região Metropolitana do RJ após a pandemia
Levantamento feito pela UFRJ revela que quase 15% dos moradores da Região Metropolitana do Rio mudaram a forma de se deslocar depois da pandemia.
A Coppe, instituto da UFRJ, fez uma pesquisa para entender quais são os desafios e as responsabilidades do poder público, da iniciativa privada e da sociedade civil para um transporte público sustentável no Grande Rio.
Foram mais de 4 mil e 300 entrevistas entre agosto e outubro, em 14 municípios. Pesquisadores mapearam as mudanças no deslocamento da população depois da pandemia.
Em média, 14,53% dos entrevistados responderam que mudaram o padrão de deslocamento depois da pandemia. As taxas maiores foram na Baixada Fluminense, com destaque para São João de Meriti, com 37,88%. O principal motivo para a mudança foi o desemprego.
Antes da pandemia, serralheiro Ivan da Conceição da Cruz trabalhava em uma empresa na Washington Luís, em Caxias, e pegava dois ônibus.
“Pegava o ônibus de Vale do Ipê, saltava no Lote XV. Em Lote XV pegava outro ônibus e saltava em Saracuruna. Lá pra Saracuruna, o ônibus não era muito bom, não. Não tinha ar-condicionado, era meio estranho.”
Depois da pandemia, Ivan perdeu o emprego, mas logo voltou a trabalhar. Dessa vez, numa empresa perto de casa em Vilar dos Teles, São João de Meriti, onde precisava de apenas um ônibus. Agora, deu entrada no seguro-desemprego e resolveu virar autônomo. E a cada dia ele decide como vai de se deslocar.
“Ônibus, Uber... o negócio é correr atrás, ir à luta.”
Outras cidades da Baixada também apresentaram um alto percentual de pessoas que trocaram a maneira de se deslocar, como Mesquita (37,50%), Nilópolis (24,65%) e Belford Roxo (23,81%).
Cidades que mudaram a forma de deslocamento após a pandemia
Reprodução/TV Globo
Além de desemprego, outros motivos foram: mudança do local de destino, adoção de regime híbrido de trabalho, falta de linhas e serviço de transporte e aumento do tempo de espera.
Para os pesquisadores, quem tem condições recorreu ao serviço de aplicativo.
“Antes usava, por exemplo, um ônibus, e agora não tô mais usando ônibus. E a pesquisa mostra que esse indivíduo que mudou e tá num padrão de renda maior, ele muda de fato para automóvel ou para o transporte por aplicativo”, explica Glaydston Mattos Ribeiro, professor de Engenharia de Transportes da Coppe e diretor-executivo da Fundação Coppetec.
A pesquisa mostrou ainda 5% da redução do uso de ônibus e 5% de aumento no uso da van. Os dados devem ser compartilhados em breve com o poder público.
“A ideia é exatamente promover essa discussão, trazer a quem toma decisão, inclusive o usuário, pra essa discussão. A ideia é fazer essa rodada inicial agora com as empresas, trocar alguns conhecimentos com eles e ouvir a opinião deles. No segundo momento falar com os atores públicos e trazer essa informação para a sociedade”, diz Glaydston.
Para atrair mais passageiros para o transporte coletivo, é preciso melhorar as condições dos ônibus.
“Tem que cuidar do transporte, porque é a área que a gente vai pro trabalho, desloca pro trabalho, pro hospital, pra vários lugares, né?”, fala a dona de casa Rosimere Monteiro.
Em São João de Meriti, passageiros reclamam da linha 103, que circula entre São João e Nilópolis.
“De meia em meia hora, de uma em uma hora, entendeu? Às vezes, a gente fica aqui, a gente pensa até que não tem mais esse ônibus pra lá, porque é como se não existisse ninguém. O que eles falam é que tem pouco passageiro, mas na verdade não é”, diz a dona de casa Maria do Socorro.
Em um ponto na Praça da Matriz, os passageiros reclamam da falta e precariedade dos ônibus. O custo da passagem também é uma das queixas.
“Esses ônibus estão todos ruins. A maioria não tem ar-condicionado. Horrível, os bancos batendo, maior batedeira nos bancos, caindo”, fala a dona de casa Severina Leal de Lima.
“Passagem é cara pra caraca, R$ 5 um ônibus, e a gente fica no sufoco. Agora tá vazio, mas mais cedo ele fica igual sardinha em lata”, completa.
Um passageiro diz que a maioria dos ônibus não tem ar-condicionado.
“Nesses ônibus fechados assim, cara, a maioria deles o ar-condicionado tá fraquinho”, diz o aposentado Joel Messias da Cunha.
Foi num desses ônibus que uma passageira passou mal. Ela estava na linha 510, da empresa Trel, que faz o percurso Caxias-Raiz da Serra.
A mulher teve que se deitar no banco e foi socorrida por passageiros, que tentaram abrir as janelas lacradas.
Passageira deita em banco do ônibus após passar mal
Reprodução/TV Globo
O que dizem os envolvidos
Sobre o ônibus da Trel, o Detro informou que mandou uma equipe para a garagem da empresa. O Setransduc, que representa as empresas em Caxias e Magé, informou que o veículo foi recolhido.
Em relação ao levantamento, o Detro explicou que não teve acesso aos dados, mas que verifica a situação do transporte intermunicipal todo dia.
Disse ainda que vai intensificar a inspeção nos equipamentos de ar-condicionado durante o verão.
A Secretaria Estadual de Transportes não respondeu.
A Semove, que representa as empresas das linhas intermunicipais, disse que a pesquisa confirma os alertas de que as pessoas passaram a usar mais o transporte individual e que é fundamental adotar políticas públicas pra melhorar o transporte.
A Secretaria Municipal de Transportes do Rio afirmou que a demanda vem subindo, mas que os números pré-pandemia não voltaram. Falou ainda que a atual gestão trabalha para melhorar a mobilidade.
O Rio Ônibus afirmou que o transporte público está em reestruturação depois de anos de crise, com mais de 90 linhas que voltaram e 83% da frota climatizada.
A Prefeitura de Mesquita explicou que se reuniu com o Detro no fim de novembro por causa do aumento de reclamações na ouvidoria do município e que pediu a volta de linhas intermunicipais, além do aumento da fiscalização. Informou ainda que não existem linhas municipais em Mesquita.
A Prefeitura de Belford Roxo disse que tem duas empresas com concessão nas linhas e que faz fiscalização para cobrar a redução da espera e uma estrutura melhor.
São João de Meriti e Nilópolis não responderam.